segunda-feira, 25 de junho de 2012

A mais importante das coisas menos importantes - um raso estudo sobre a explosiva e problemática relação entre mulheres, alcóol, drogas e futebol!

            Por introversão, em situações de solidão e isolamento, como acontece muitas vezes quando estou viajando para fora do país, jamais consegui simplesmente perguntar a pessoas desconhecidas, mas aparentemente interessantes, o que elas fariam naquela noite, ou para onde diabos estariam indo. Em suma, puxar assunto – e mesmo explorar os fios de meada que eventualmente tentam arrancar de mim – não é o meu forte. Por isso, desenvolvi uma técnica (que não funciona direito, aliás) para tentar contornar a timidez paralisante que, embora revelada geralmente sobre protestos incrédulos, me acompanha desde garoto. Trata-se, afinal, de perseguir pessoas com perfis exóticos, belezas pronunciadas ou vestimentas elegantes (para os meus padrões bermuda-camiseta-e-all-star-quando-as-havaianas-não-são-possíveis) pelas ruas. Tendo tempo, tudo é possível. E gosto de ter tempo quando viajo.

Naquela noite, foram duas meninas. Uma baixa, com cabelos morenos muito curtos e saião hippie e uma loira alta aparamentada de adereços anacrônicos. Como o chapéu-panamá, que – de origem equatoriana apesar do nome, provavelmente manufaturado na china, e repousando sobre aquela cabeça griga em plena capital espanhola – atendia com louvor minha ânsia por exotismo! Por tamanha conjunção, desbravei lentamente uma parte até então desconhecida da cidade no encalço das duas. Até que, para minha surpresa, as moças sentaram num banco de uma das várias praças do lugar e puseram-se a conversar.

Sujeito direito, e interessado apenas na carona, sentei numa amurada mais afastada, próximo a um semi-senhor (ou um semi-jovem chumbado) e um garoto, completamente alucinados e vermelhos.  Pareciam ingleses e cantavam velhas canções punk de forma tosca. Perdi as meninas de vista escutando-os e observando o resto do movimento, que, afinal, não era grande coisa: pouco adiante um pessoal uniformizado, provável equipe de limpeza, se espremia num dos bancos e conversava, havia os incansáveis vendedores de cerveja, uma galera batendo bola na outra extremidade da praça e alguns outros perdidos, como eu, que filmavam ou fumavam o que lhes apetecia.

De minha parte, estava bastante animado, pois bebi sozinho o que acostumei a compartilhar com meu irmão nas aberturas das três noites que passáramos juntos naquela cidade. Mesmo assim, comprei uma cerveja com um dos ambulantes e bebi quase tudo num largo gole. Intrigado, começava a tentar decifrar as regras do improviso desportivo que se desenvolvia naquele canto de praça quando um dos doidões ingleses me pediu um pouco de tabaco.

Embora o tenha atendido sem muita convicção, ele perguntou, agradecido, se eu fumava (e o itálico vem aqui para substituir um trejeito inconfundível: um arqueamento de sobrancelha seguido de um meneio com a cabeça, que, apesar de a frase ter sido dita em inglês arrastado e estarmos todos significativamente bêbados, não permitia a menor parcela de dúvida para a adequada interpretação do maneirismo aparentemente internacional, objeto, muito improvavelmente, de um futuro estudo detalhado sobre a linguagem universal dos doidões). Respondi que sim, ainda sem muita euforia.

Suspeitei desde o princípio e, conforme o previsto, após perscrutar suas coisas, o resoluto rapaz pousou uma pequena pepita em minha mão. Também grato, consumi metade no ato e, já zaralhado, tentei guardar a outra parte no cantinho do banco que busquei para aquele fim escuso. Obviamente, o regalo não estava lá quando, mais tarde, voltei para tentar o resgate, já com o peso de coração e consciência motivadores deste escrito – a tal coisa escrota ainda por contar.

O fato é que, com o concurso do aditivo imprevisto, minha animação cresceu e o mundo ganhou um novo e inusitado colorido. Estancou-se a psicodelia: a equipe de limpeza parecia mais alegre e ruidosa, e finalmente me dei conta da fosforescência de se seus trajes; um dos dois doidões foi embora cantando Misfits, o outro deitou e dormiu ali mesmo; os vendedores ambulantes pareciam trabalhar com vigor renovado, embora seguissem sem qualquer expressão... Eram meus olhos, certamente, mas coisa vasta para a antropologia mundana, talvez um pouco enrustida. Vagava a vista enquanto ainda podia, pois, em poucos instantes meu interesse pelas maravilhas daquele universo seria completamente soterrado pela observação maníaca do jogo, que continuava sua febril celebração aos deuses do esporte mais popular do planeta ali na canhota do meu campo de visão.

Bêbada e marotamente, me aproximei. Vi melhor o que já conseguia perceber de longe: aqueles caras pareciam tanto com alguns conterrâneos meus (as galeras das peladas, a molecada da rua), que só tive certeza que não eram de algum ermo – de um interiorzão qualquer desses nossos, com o sotaque insondável para urbanóides semi-literatos como nós – depois que tentei por três vezes entender o nome do lugar de onde vinham, sem qualquer sucesso. Segundo eles, em simplificação corriqueira e recorrente, trata-se de um pequeno país próximo a Bulgária. O ponto é que, ademais do espanhol simples em que nos comunicávamos, falavam um idioma que parecia a insólita mistura de russo com árabe, ou – ainda pior! – algum dialeto desta surreal composição lingüística: o russárabe!

Falavam exatamente como qualquer matuto nosso, ou latino, que gosta de bater bola. Tardei a assimilar a força da disseminação mundial de arquétipos comportamentais (trejeitos, manias, piadas) orbitando o mundo da bola, especialmente o futebol. Como cada cultura, tão específica, vive esse mesmo fenômeno? Afora a complexidade do conceito: lembro de ter passado horas conversando com um cubano sobre brincadeiras de rua da molecada e, sempre que ele relatava o “jogar bola” de seus tempos de pivete de Havana, imaginava os gols de chinelo e a bola dente de leite rolando, mesmo depois que me dei conta que ele se referia ao basebol todo o tempo...

Em todos os poucos países em que tive o privilégio de jogar, ou mesmo só ver de perto uma pelada, constatei o mesmo ânimo, a mesma gana, aquela coisa (talvez a única) que liga o craque milionário fazendo o gol do título numa final de copa do mundo ao moleque chutando uma latinha na madrugada fria. O jogo, através da domesticação da potencialidade infinita da combinação de uma ou mais pessoas com uma bola, acaba por criar uma linguagem paralela - mais de gestos e grunidos, mas também olhares, gritos, oferta e aceitação de desafios - com alto grau de complexidade. Sinceramente, não imaginava que fosse algo tão eficiente... Mas deixo tais digressões para o futuro e improvável estudo, pois aqui apenas me estendem a crônica desnecessariamente.

Dentre o pequeno grupo, havia de tudo: além do trio de magrinhos habilidosos (um de ar soturno, bermuda azul piscina, camisa xadrez e tênis vermelho, outro ostentando um topetinho, calça jeans e camiseta, e o último encaixado em uma insólita jaqueta de couro), os dois primeiros sendo os craques das duplas em jogo, os dois gordinhos completando as duplas e mais um grandão do lado de fora, este rindo de praticamente todas as troças e pilhérias disparadas durante as partidas, boa parte delas dispensando o conhecimento do idioma para uma captação competente de seu teor. Eram figuras tão familiares que, mesmo após meia hora ali, me pareciam estar prestes a confessar, já em português, que haviam reconhecido a camisa do flamengo (retrô!) e estavam tratando de me pregar uma imbricada peça.

Personagens como o gordinho que nunca jogava, mordiscava amendoins infinitos e gargalhava feito um monstro a cada jogada bisonha ou piada interna, já conheci mais de dez! O careca, baixinho e rechonchudo, sacana principal de um dos times, que dava alguns toques na bola enquanto zoava tudo e todos, esse tem também uma boa dúzia de sósias espirituais brasileiros. E o barrigudo? Toda vez que lhe tocava buscar uma bola colocada com mais vigor (e ela evitava, tinhosa, o último obstáculo que poderia encurtar seu desgoverno e todo anti-magnetismo que assume nestes momentos), ele estacava, virava inconformado para seus colegas, ódio brando estampado no rosto inexpressivo, e, sem emitir qualquer ruído, continha os braços que já quase abriam, baixava os ombros quase soerguidos e retomava seu caminho até a pelota em passos exageradamente lentos... Um barrigudo daquele existe em cada boleiro que já tive o prazer ou desprazer de conhecer!

Começava a entender o jogo, que não parecia difícil. Uma espécie de futevôlei sem rede. A bola podia dar um quique e, depois disso, ficar no alto o tempo que fosse necessário (e possível para a habilidade de cada dupla). Ainda tentava entender a regra dos saques quando pedi para jogar. Soprou o vento frio do gelo breve que me dedicaram, mas, quando se aproximavam do final da contagem incompreensível, o gordinho fanfarrão perguntou se eu tinha algum parceiro. Eu disse que poderia ser o outro cara que estava de fora, o da jaqueta de couro, sem ser o bonachão de riso frouxo e capacidade invulgar para o consumo de amendoins, ainda que de forma muito mais concisa e tosca do que o aqui descrito. Ao celular, o sujeito me acenou do outro lado da quadra aparentemente concordando. Dali a alguns minutos, para instaurar de vez minha perplexidade, me deixaram jogar.

Formei com o cara do topetinho, e cheguei – sem querer, mas cheio de marra! – confirmando os limites da quadra e perguntando as regras que não tinha conseguido decifrar apenas observando. Para meu desespero, um deles reconheceu mesmo a camisa, ou o acento, e perguntou se eu era do Brasil. Confirmei encabulado, ao que todos, eufóricos, lançaram um urro de desafio e excitação, aumentando significativamente minha responsa e nervosismo. Nunca fui craque, mas imprevistos acontecem e algumas vezes pendem para os milagres! Agarrava esta última esperança, mas não deixei de confessar, embora timidamente, estar un poco borracho para jugar. Pero jugué.

Tentava reviver rapidamente a vez que me passara praticamente o mesmo na Colômbia havia alguns anos. Era uma pelada normal e eu formava um time de quatro com mais três doidões de Bogotá, sendo que estávamos no mato, muito longe de lá. Assim que entrei no campo perguntaram minha nacionalidade. Havia muito mais gente assistindo, e a resposta gerou ainda mais ruído do que no caso recente. Naquela ocasião, a recepção estrepitosa do representante do país dos magos da bola foi respondida com um lindo chapéu de chaleira sobre um volante da equipe formada pela gente da terra, que me veio deslizando num carrinho imprudente e sanguinário, levantando a poeira daquele chão batido. O drible, invulgarmente preciso, fora aplicado sobre uma bola que me veio rasteira pela retaguarda da destra e preparou uma finalização fraca, nas pernas do goleiro. Tudo isso logo no primeiro lance!

Lembro vivamente da torcida indo ao delírio com as habilidades que os deuses do futebol resolveram me incutir naquele momento. Dali pra frente, tive uma atuação bastante sólida, ainda que baseada mais na disposição do que na plasticidade daquele lampejo inicial, conseguindo conduzir a algumas suadas vitórias minha improvável equipe de loucos de Bogotá (o goleirão mãos de manteiga era uma figura, que se enfurnava numa rede próxima quando não estávamos jogando e só saia de lá ajudado; e tinha o menino mimado, que cismava em rachar com os cabras com seu tênis de cano longo acolchoado; e o outro cara, mais tranqüilo, que trocava passes decentes comigo).

De volta à praça, me puseram na linha de trás – lugar dos craques – para o teste de fogo. De lá veio, afinal, a bola, em uma trajetória fácil. Mas ela quicou estranha, perto demais de mim. Não tive outra alternativa que tentar matá-la no peito, lançando mão de um fundamento que nunca dominei. Mas a redonda, caprichosíssima, bateu ao mesmo tempo no meu gogó e no meu queixo e caiu, ridícula, em direção aos meus pés plantados no chão pelo mau jeito da jogada. Em desespero, tentei mantê-la viva com um toque curto e acabei me dando conta, apenas ali, que a bola era incrivelmente leve. Assim que toquei nela, a tinhosa assumiu uma direção aleatória e morreu agonizante na extrema direita, completamente fora dos limites do campo!

Os caras foram ao delírio e tardaram alguns minutos para enxugar as lágrimas, de tanto que riram. Amendoins voaram alto e caíram no chão, só então sem graças. O barrigudo, ali ao lado, contrariando todas as expectativas, foi buscar a bola correndo. Respirei fundo e me preparei para devolver um novo saque, que veio ainda mais café-com-leite que o primeiro. Mesmo me posicionando melhor para o toque e tomando ainda mais cuidado, a bola mal encostou no meu pé e saiu em disparada para um lugar improvável, muito outro do que o que pensara, afora o efeito estapafúrdio, também completamente involuntário. Riram mais os emigrados do tal pequeno país perto da Bulgária.

Não me incomodava tanto ser tamanho motivo de chacota, mas estava realmente perplexo por não conseguir domar minimamente direção nem força de meus remates, por mais comedidos ou colocados que tentasse mantê-los. Afinal, fui removido do fundo de quadra e passei à rede, seara dos fanfarrões. E, mesmo ali, mandei mal. Péssimo, para ser exato. Para aumentar a tragicomicidade do momento, pedi um tempo para bater uma bola com meu parceiro e tentar sentir o peso e manias daquela esfera psicodélica! Foram alguns minutos de tentativas frustradas por equívocos de intensidade variada. O parceiro amassava o topete para me indicar: “aqui, com esta parte, com mais calma, com menos força, agora com mais força, menos calma, não, assim não”... Miserável, errava praticamente tudo. Estiquei os momentos de angústia até que o gordinho, careca e fanfarrão, fez o gesto mundialmente conhecido de tocar um relógio imaginário ou real no pulso e perguntar sarcasticamente se passaríamos a noite toda naquele “esquenta”. Pedi perdão, e voltamos para o jogo.

Tive tempo de me surpreender mais uma vez: como os gritos de incentivo ou escárnio durante o jogo eram parecidos com os nossos, apesar da distância entre o português brasileiro e o russárabe dos pequenos países próximos a Bulgária. Cheguei a estar convicto que, em alguns momentos, falavam: vai! E prestava muita atenção nisso principalmente porque, mesmo depois do treino, após nova e breve seqüência de lances escalafobéticos e despropositados, meu companheiro e a dupla adversária conseguiram jogar quase sem me deixar tocar na bola. Já haviam cansado de rir de mim, seguro. Ainda assim, estraguei um ou outro ponto nosso tentando me intrometer na jogada de meu companheiro. Ele ralhava comigo naquela língua absurda. Eu pedia desculpa em espanhol, ou inglês, ou português, ou gritava um “porra, caralho!” reflexivo...

A agonia acabou depois de alguns minutos em que eu me preparava para a chegada de uma bola arisca, que nunca vinha, e ficava fazendo estilo platéia de partida de tênis, bufando um pouco e trocando a base dos pés para afetar participação. Afinal, o mesmo gordinho se dirigiu a mim, agora em espanhol, dizendo algo como “já deu, né!?” Concordei e apertei sua mão, me desculpando rapidamente com ele e com os demais pela total falta de talento. Já ia saindo meio atordoado quando ele me lembrou das coisas que eu havia deixado em cima de um banquinho de alvenaria ao lado da quadra improvisada.

Não tão efusivamente quanto deveria, agradeci a lembrança dos meus pertences, quase abandonados ali: meus cartões de crédito, meu tabaco, meus documentos. Toda a tralha da qual me desfiz buscando maior liberdade de movimentos (que, afinal, se mostrou completamente inútil), sem a qual não seria capaz de atividades singelas como voltar para o meu país, comprar um café, ou fumar um cigarro. Depois desta gentileza imprevista, contudo, algum evento paranormal nublou minha autoconfiança e, com ela, minha confiança em meus nobres colegas. Meu relativismo cedeu e lembrei das recomendações paranóicas que li num daqueles folhetos que há atrás das portas dos quartos de hotel e de algumas outras ponderações alarmistas que recebi sobre a “segurança”, mesmo na Europa, e finalmente refleti que aqueles caras, assim como as molecadas das peladas e a galera da minha rua, eram bem mal encarados. Pensei, por fim, que se eu fosse um gringo fazendo isso no Brasil, não seria impossível que um malandro, rico ou pobre, desse uma conferida na minha carteira atrás de quiçá mirrados trocados.

Maquinalmente e contra a minha mais profunda vontade, saquei a carteira, já enfiada no bolso da bermuda, num movimento furtivo. Abri o zíper, olhando sem ver para ambos os lados. Inclinei a cabeça e fechei um pouco um dos olhos e conferi o conteúdo. Intacto! Intacto? Claro! A vergonha já me subia quando pude novamente dispensar qualquer conhecimento do idioma para entender perfeitamente que um dos caras, que estava fora do jogo, atrás de mim, alertou aos outros do meu gesto desconfiado. Logo eu, que estorvei o futebol na moral deles com minha absoluta falta de intimidade com a bola, que invadi a confraternização bonachona com meu mau jeito e prepotência pentacampeã, que derrubei a lata de cerveja que trazia pela metade e coloquei num lugar exposto, onde acertei uma bola aleatória, derrubando o resto de seu conteúdo no casaco de um deles que estava ali antes? Logo eu!?

Senti o golpe, mas permaneci ali. Continuei prestando atenção no jogo, e entendia muito melhor os desafios de cada lance, o capricho de cada habilidade ou falta dela. Eles também erravam. Muito menos e de forma menos caricata que eu, mas erravam. Minha presença era glacialmente abstraída, mesmo que eu ensaiasse tímidas palmas para os melhores movimentos. O isolamento só foi brevemente quebrado quando executei de forma competente um ruído significando “dificuldade superada” em resposta a uma bela e disputada jogada com final feliz. Cercado de cascas de amendoim e sentado de frente para o meio da quadra e de costas para mim, o gordinho virou um pouco a cabeça, esboçou um sorriso e soltou a mesma gargalhada de sempre. Desta vez, dolorosamente curta. Afoito, tentei perguntar se ele também tentava jogar e cheguei a ensaiar algumas justificativas para o meu fiasco. Ele disse que não jogava. Só.

Quando as duplas ameaçaram trocar os lados, evidenciando o fim do jogo, ainda tive tempo de entender o chiste de um deles perguntando se começariam logo outra partida ou me deixariam jogar mais uma. Todos riram, sem o mesmo entusiasmo, dizendo provavelmente que não. Ou eram meus ouvidos? Me despedi, enfim, e poucos se animaram a fazer o sinal de positivos e retornar minha saudação geral. O do topete, meu parceiro, embora falando ao telefone, foi um dos únicos. O gordinho mais fanfarrão em quadra acenou timidamente, certamente por senso político. Ele que me havia aceitado e recebido inicialmente, afinal. Parti arrependido, alternando um soco em cada mão e batendo os calcanhares um no outro enquanto caminhava, como quem acaba de ser “canetado” num “bobinho” e vai ter que descontar a “mofa”.

Posso estar dramatizando, mas me envergonho muito da ocasião. Não a participação patética no jogo, até porque tenho certeza que com uma bola mais pesada e um pouco menos de cerveja na lata, não faria tão feio quanto fiz, mesmo enferrujado como estou. Mas pela falta de gratidão, falta de gentileza para a gentileza que me haviam dedicado. Ademais, os caras são imigrantes, se reuniam para bater uma bola, praticar seu idioma natal. Provavelmente trabalharam naquele dia, e nos outros, sempre tentando salvar algum para sua distante família. Encontraram uma forma de exercitar suas raízes (aquele futebol moleque, de rua, tão conhecido nosso), ainda que na quadra improvisada no canto da praça. Moram num país que, apesar de precisar deles, faz de tudo para mantê-los numa posição subalterna, que os segrega, que, afinal, concentra e controla quem (e em que medida) tem acesso à riqueza negada (ou usurpada) à sua terra natal... Bem parecido com o que fazem com o meu país! Definitivamente não deveriam ter tolerado o gringo - estrangeiro como eles - vindo discriminá-los, desconfiando deles.

Eles não falaram nada em espanhol ou inglês comigo sobre minha pior, dentre o show de horrores, jogada da noite. Conversaram entre eles, e decidiram me ignorar, apenas. Ainda acho que merecia, ao menos, um esculacho, mas fico grato pela escolha que fizeram. Se ao menos eu tivesse a sagacidade de ter instantaneamente a idéia que tive minutos depois, e dizer logo após conferir a grana, e com sinceridade, que gostaria de pagar uma cerveja para eles, no mínimo pela paciência. Mas não o fiz. Restou-me escrever sobre a jogada, esse lance, e pedir aos bravos leitores que chegaram até aqui que façam um exercício de abstração. Imaginem essa cena numa roda de “altinho” numa praia do rio, ou numa pelada de pedreiro em campo de várzea. Imaginem ainda que o gringo fosse inglês, espanhol, italiano, alemão ou argentino e que tivesse a certeza, como nós, de ter o melhor futebol do mundo... Esse cara não durava dois minutos vivo!

Tomara!

Por fim, confesso que agiria diferente de meus companheiros do pequeno país ao lado da Bulgária se passasse por algo parecido, especialmente dentre amigos. De uma forma que o gringo muquirana pudesse entender perfeitamente, diria alguma descompostura insalubre e tentaria incitar a massa a colocá-lo para correr dali. De preferência para casa dele, fosse ela nos confins da América, ou num canto qualquer da Eurásia. Há coisas que não se pode profanar. E o futebol, talvez “a mais importante das coisas menos importantes” (essa maravilhosa pérola de autoria imprecisa, mas precisão absoluta) obviamente é uma delas. Então, se for jogar, procure entrar com respeito e, sempre, sempre, na humildade máxima. Senão, vaza, Zé Ruela!

domingo, 24 de junho de 2012

Dinamáquina.

Infelizmente me senti na obrigação de escrever sobre a Dinamarca, país que agora visito em companhia de meu filho, Francisco e da minha esposa, Kamira. Infelizmente, porque não suporto minha escrita, mas estar aqui e deixar de dar meu pitaco é mais escroto ainda. Por isso...vamos ao que interessa.

Aqui é foda. Fodidamente organizado. Limpo, mas nem tanto. Eles não são doentes por limpeza.
Os ônibus aparecem na hora marcada e você pode, sem problemas, entrar com o carrinho de criança. De ônibus ou trem se chega em qualquer parte do país, que é menor que o RJ. Possuem população de 5 milhões de humanos. Menor do que a própria população de PORCOS que tem, de oito milhões!!!!
A Dinamarca fica no norte da EUROPA, perto da Suécia e da Noruega. FRIO BAGARAI!!! E olha que viemos no verão. É quase um arquipélago, com uma parte grande continental. A capital não fica no continente! O continente é a parte rural do país. 
Eles possuem realeza, parada que realmente me deixa intrigado. Afinal de contas, que porra é essa??? A essa altura do campeonato???? Esses caras definitivamente me supreendem!!!!! Rainha Margarida o nome da figura!
Estou num bairro chamada Amager. Bairro residencial com algum comércio. Perto do Centro. Copenhagem tem a cara da Europa, eu acho....Prédios antigos, baixos. Cada quarteirão possui vários prédios, uns colados nos outros e no centro deles, há um espaço de uso comum.  E isso definitivamente é IRADO!!!! Pelo simples fato de que há o compartilhamento obrigatório das paradas...

A língua Dinamarquesa é bonita. E tem uma sonoridade que eles próprios desconhecem. Tem traços fortes como a alemã, mas tb a sonoridade do ÉLE que os árabes usam....lel lel lel lel, sacaram?

Visitei alguns lugares realmente incríveis. Castelos, fortes, coisas de uma época em que a coloniza ção portuguesa nem pensava em acontecer.

Existem muitos imigrantes por aqui. De toda parte do mundo. Árabes, japoneses, sul americanos....Então os branquinhos estão começando a se misturar....

Galera..a onda acabou. Conto mais no retorno. Ou no próximo becke.


sábado, 23 de junho de 2012

Poesia Rapadura

A própria sensação física da potência do gostar de ser, definindo-se ao desgostar do desgostável, exercendo-se de forma irreversível pela momentânea falta de macetes adequados para uma subversão mais incisiva do real, ou do nivel, ou do véu imediatamente adiante de seu próprio nariz já ostenta habilidades mágicas...
Cada silêncio reinventa o todo, calcando as memórias de forma imprecisa nas consciências várias.
Quantas?
Brilhos incontestes afloram das frestas mais improváveis. Um cataclisma pessoal para irromper a mais tímida rachadura.

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A prova do crime:



quarta-feira, 2 de maio de 2012

Espinhos


Saía de casa quando fui avisado pelo zelador que o síndico do meu prédio gostaria de conversar comigo. Estranhei a solenidade e o acabrunhamento do cabra, afinal, o Assis é um tipo daqueles em que tendemos a confiar gratuitamente, gente da gente, compadre sangue bom. Barrigudo e bonachão, sua voz, aguda e um pouco fanha, só sabe dizer bondade, concordar contigo, abusar da sinceridade. Como quando perguntei se ele havia, a mando do ex-proprietário, maquiado a infiltração que hoje toma a cozinha do meu apartamento - mas na época da venda não aparecia - e ele disse: pois foi. Preferia ouvir outra resposta, mas admirei o sujeito por falar, quase sem querer, a verdade. Sou um pouco assim também e, até por senso de (auto)preservação da diminuta classe sincericida, busco valorizar simbolicamente as pessoas de traços semelhantes com quem tenho a sorte de assuntar. E aquela breve troca de palavras cúmplices acabou me inspirando ainda mais confiança nele.
Era uma manhã atípica, em que lograra sucesso incomum na sempre engenhosa tarefa de aprontar minha pequena para a creche. Dentro de uma margem plenamente tolerável de atraso, subi as escadas lentamente, com ela avançando na frente, como de costume. No meio do caminho, com a criança já perdida de vista, encontrei dois sujeitos desconhecidos no corredor. Discutiam. Parei, me apresentei, e inquiri sobre o imbróglio certo que um dos dois seria quem me queria falar.
Mas, antes, vim julgando. E não poderiam ser mais diferentes. Um, branquelo, pra lá dos cinqüenta, boca repuxada para baixo (de gente recalcada e triste), olhos claros por trás dos óculos de grau. Expressão fechada e séria, semi-militar. Talvez algum orgulho ordeiro por dentro da camisa de botão com um quadriculado de azul e branco miúdo que minha sonolência fazia parecer um labirinto psicodélico. Seu tipo grave me causava antipatia espontânea.
O outro – um negão, pra cá dos quarenta, cuja estabilidade expressiva era um sorriso absoluto – me olhava com os olhos arregalados a bordo de bermudas, camisa de malha meio zoada e um par de chinelos grotescos. Nem Havaianas eram. Gostei dele, de cara. Tinha o nome de um de meus irmãos, enquanto o outro tinha um daqueles nomes antipáticos começados com dáblio.  Se o assunto fosse complicado, dependendo de quem fosse o síndico, poderia contar com um aliado – como contei, de fato, mas contá-lo me alargaria demais o relato.
Meus preconceitos atuaram de forma branda: não atinar imediatamente para quem era o síndico. Provavelmente, entre outras coisas, dado o estado precário de meu condomínio. Afinal, racionalizar sobre preconceitos com a boca livre e a mente supostamente leve é muito mais fácil que aceitar os incômodos vestígios deles em nós. E tenho certeza que, amparado pelos traços do racismo paterno que a criação bicho-grilo de minha mãe não conseguiu dissolver, se morasse em um prédio mais organizado, teria me dirigido diretamente ao senhor almofadinha para tratar dos tais “assuntos de meu interesse”, sabendo-o único síndico possível (para um prédio bacana) na nossa sociedade racistaem que vivemos.
Exercitando o dom da dúvida, mantive o quanto pude a questão sobre qual dos dois seria, afinal, minha versão genérica de Tim Maia, mas, dirimidas as incertezas iniciais pelas apresentações, acabei informado pelo mais velho que tínhamos um problema... Tentei me conter, mas acabei fazendo uma por vezes dolorosa retrospectiva de minhas atitudes passíveis de crítica frente aos meus arrabaldes, minhas cercanias, e as pessoas que os habitam. Seria o que falo, o que ouço, o que toco, o que fumo, ou o quanto minha namorada grita? Vizinho voyeur insatisfeito com meus recatos, ou vizinho da frente inconformado com meu voyeurismo!?
Tratava-se, contudo, das singelas plantas que viviam no corredor do meu andar, ao lado da porta de entrada. No prédio cheio de fofo, mofo, infiltrações e baratas, alguém acabou se incomodando com o vigor das plantas que eu cultivava, e sobreviviam às intempéries do corredor com exuberância inexplicável para meu eventual desdém.
O síndico “comunicava” afinal, que a administração decidira recolhê-las caso eu não o fizesse. Que pusesse na varanda, sugeriram prestimosos. E pouco adiantou argumentar que o meu apartamento não tem varanda, que a administração somos nós, que as plantas estavam vistosas, lindas, e que aquilo alegrava o ambiente insalubre da escadaria... Estavam na passagem, ponderavam. Tão na passagem – depois descobri – quanto as lixeiras (uma por andar) ou uma outra planta, essa com um vaso de barro pesado demais para ser removido pela força já muita do Assis.
Sei que a política perpassa cada minúcia da vida em sociedade, mas me deu muita preguiça de convocar uma assembléia condominial com o intuito de restaurar o meu direito de colocar plantas na área comum do prédio. Me encabula e dá um pouco de preguiça até mesmo ir a uma reunião ordinária e instigar o tema... Preguiça dessa gente opaca, que vive para azedar a alegria, ainda que pouca, do próximo. Cheguei a ensaiar um protesto, prendendo um bilhete desconexo na parede ao lado das marcas de vazio deixadas pelos vasos. Desenhei também, junto com a Lis, um enorme (quase todo o papel A3) cacto, triste e choroso – onde sequer cheguei a escrever as frases que bolara: “Planta imaginária... Cuidado, ela pode ficar na sua frente!" Mas a figura jamais saiu do cavalete e continua lá, soterrada por levas e levas de novos desenhos.
Arrefecida a ira, deixei tudo para lá... Mais um direito a menos – a gente acaba que acostuma com essa sina. Tento perder a esperança no mundo, mas não consigo. Por mais que mal se precise sair de casa (às vezes, nem isso) para encontrar incontáveis vidas dedicadas ao exercício do máximo de babaquice suportado pela anatomia (da mente) humana, precisamos de pouco para perceber o tanto de energia outra circulando.
A planta que morava no meu corredor, por exemplo, me fora emprestada pelo próprio Assis. Meses atrás, ainda de chegada, perguntei se tinha alguma, ele disse que sim, que ia buscar. E veio um vaso com três espécies diferentes, uma meio murcha, outra quebradiça, a última quase seca. Gostaram, as três, de mim, ou do meu canto. E prosperaram, para orgulho nosso. De fato, não fosse a prestatividade do Assis, eu não entraria em contato (por mais indireto) com a angústia da pessoa que se sentiu incomodada com nossas plantas (!). Mas eu prefiro viver as duas coisas – a euforia da dádiva e a impotência da repressão – à possibilidade de eximir-me tudo, evitando ofender outros medíocres quereres anulando os meus.
O equilíbrio é delicado, não canso de aprender. Por ora, espero sinceramente que as minhas plantas estivessem realmente interrompendo a passagem de pessoas desconcertantemente obesas, ou causando violenta alergia em alguém que aqui passa todos os dias. Aceito que existam estas ou qualquer outra justificativa digna – ainda que estapafúrdia – para o seqüestro vegetal. Enquanto aguardo pelo desfecho, prefiro pensar que minhas antigas vizinhas verdes tiveram ainda melhor sorte em seu novo lar. Quero que possam voltar... maiores! Um dia...

sábado, 28 de abril de 2012

Passando em revista

Veja bem, isto é um absurdo
Desde a época em que a superinteressante era interessante.
Mesmo pequenas as empresas escondem o grande negócio:
Os bravos todos estão exilados no Piauí,
caros amigos nos enviam cartas capitais
explicitando a falta de capricho com a gente.
É nossa National Geographic que está em jogo aqui!
Vai pra casa, Cláudia, e já começa a pensar nisso.
Não dá para todo mundo ser playboy (ao mesmo tempo)!

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Poesia antiga.

Escrevo apenas por pena da moda moderna.
Como quem tempera com o passado.
Pertencendo a espera de um futuro.

No escuro, o claro fica mais evidente. A vida.
E as incertezas mais lúcidas na mente. A morte.

Aqui.....ali......onde quer que esteja,
prefiro o eterno intenso do instante.
O sempre.



domingo, 18 de março de 2012

O sucesso do misticismo

Religiosos normalmente recorrem aos deuses apenas quando dá merda.
Isso me faz pensar.
Toda abordagem mística deveria ser capaz de dar conta da completa realidade. Do gato preto ao Jesus Cristo, do casamento aos travecos da Lapa (e toda sanha de homens casados que os procuram), de Bill Gates a Hitler, da alquimia ao novo iPad, de segunda guerra à Woodstock. Toda a possibilidade do "real" deveria estar contida nesta abordagem, do micro ao macro, da epifania à tragédia.
Isso me faz agir.
Toda minha vida precisa estar coerente com o que acredito, nem que seja preciso mudar o que acredito. A noção mundana de pecado é idiota, pois não oferece solução. Não há pecado, há incoerência e hipocrisia.
"Deixe o desejo do discípulo determinar o que deve ser oferecido aos deuses. O que quer que ele goste, a oferta disso o conduzirá ao bem-estar." (trecho do Mahanirvana Tantra)

quarta-feira, 14 de março de 2012

O poder da mente

Sou um pouco supersticioso. Não entendo bem por que, mas evito passar embaixo de escadas, bato 3 vezes na madeira quando necessário (e possível, pois o mundo é cada vez mais feito de plástico), entro e saio com o pé direito de diversos lugares, faço pequenas apostas comigo, e tento desviar do caminho de gatos pretos.

Não é sempre, mas com os gatos, por exemplo, tento refazer meu trajeto para não cruzar com a linha imaginária sobre a qual acabaram de passar, ou fico tentando mantê-los num canto, para que eu passe ao lado, ao largo de seus caminhos. Nesse dia não foi possível. O bicho saiu de surpresa de baixo de um carro, atravessou rapidamente a calçada, bem a minha frente, e entrou numa oficina.

Fiquei em situação complicada. Não conseguiria simplesmente fugir do seu rastro porque os carros estacionados estavam praticamente grudados uns nos outros, e precisaria voltar um bom pedaço para poder ganhar a rua e vir caminhando por ela. Por outro lado, me pareceu especialmente ridícula a possibilidade de entrar na oficina para contornar o gato. Ademais, tinha alguma pressa, como de costume.

Sem alternativas, rompi a fronteira imaginária com galhardia, mas, como sequer lembrava com qual pé entrara no universo que há após o traço invisível desenhado pela passagem de um gato preto (pretíssimo... nem uma manchinha!), decidi colocar em movimento o mecanismo de autonegação que – ao menos para a superfície de minha racionalidade – trouxe algum alento. Com a repetição exaustiva do pensamento “que bobagem, isso não é nada, não significa nada, não tem nada a ver...”, comecei a tentar me enganar.

Mas a impressão da situação continuava gravada em mim, e a precisão do gato ao me confrontar em momento tão indefeso era particularmente intrigante. Dali pra diante, não tive mais sossego. Alguns passos à frente, um par de senhoras caminhava de braços dados numa velocidade desconcertantemente lenta. A calçada, não tão estreita, permitia uma ultrapassagem certeira pela canhota. Mas – espanto! – tive que refrear o instinto de utilizar o nitro, e disparar no turbo, ao notar a presença de uma escada marota, apoiada sobre a marquise subseqüente. Preferindo não acumular os azares, esperei as senhoras passarem pela escada para fazê-las comer minha poeira.

O caminho para o trabalho é curto e eu já estava no final quando tudo isso aconteceu. Sinceramente, depois de tanto tempo vindo de Niterói para o centro do Rio acompanhando a crescente precarização do serviço oferecido pelas Barcas S.A., não pensava em conseguir tamanha “aventura” nos meus 15 minutos diários de caminhada. Mas as pessoas paravam subitamente a minha frente, me fechavam sem o menor aviso, carros avançavam para cima de mim, vinha uma bicicleta na contra-mão quando eu estava olhando para o outro lado. Eu já estava achando tudo engraçado, mas continuava repetindo que “não era nada...” por precaução.

Até que vi os sujeitos da prefeitura. Enquanto um escorava uma rede de proteção, o outro passava o cortador de grama num desnível do caminho. Eu vinha caminhando pelo lado oposto da rede, que protegia aos passantes do outro lado do canteiro. Tive certeza, na hora que os vi, ainda de longe: vai voar alguma coisa em mim, era só o que faltava!

E não é que, quando eu passei pelos caras, uma pedrinha acertou o meu joelho!? Ri no mesmo instante, de alívio. Mas depois, me deixei devanear um pouco sobre o ocorrido. A pedra poderia tomar qualquer direção depois de chicoteada pelo fio de nylon que esses cortadores de grama usam; qualquer minúscula diferença no meu trajeto seria suficiente para me desviar da mesma pedra – se não tivesse esperado para passar pelo par de senhoras, por exemplo; os caras poderiam tentar 3 bilhões de vezes, com as mesmas condições, e jamais lograriam me acertar novamente a pedra etc. Em suma, o movimento da pedra até o meu joelho foi muito preciso e, pra mim, das duas uma: ou eu atraí a pedra até mim, ou previ que a pedra me acertaria.
E importa pouco qual das duas está certa. Afinal, nenhuma das duas pode ser explicada sem um leve constrangimento metafísico.

No caso, encontrei a explicação que mais me apeteceu: fiquei tão impressionado por uma convicção que transcende minha racionalidade que acabei fazendo uma ‘mágica’, um ‘milagre’ com a força do meu pensamento. Infelizmente, para o mal. Não que a pedra me tenha machucado, nem que se tenha concretizado minha previsão seguinte: de que meu joelho estaria prestes a estourar e a pedra seria, disto, um aviso. De fato, quando me dei conta que afundava em especulações sobre rompimento de ligamentos cruzados, dei um basta, e parei com a baboseira. Parei de me condicionar a lesionar o meu joelho que, obediente, já doía um pouco.

Mas fiquei marcado pela possibilidade de projetar coisas. O grande passo, contudo, está em acreditar nos meus sonhos como, involuntariamente, creio nas minhas superstições. Tê-los como amálgama disforme e indescritível e deixar que me guiem através da vida. Pressinto que saberei fazê-lo, um dia.

Publicado originalmente na terça-feira, 28 de setembro de 2010, em http://amigomamute.blogspot.com/

terça-feira, 6 de março de 2012

Caminho para o sucesso

Procuro discutir com os estudantes sobre a avaliação e geralmente falo honestamente para eles: preciso dar um número pra vocês, aquela palhaçada 6 7,5 8.
E procuro fazer propostas e perguntar se eles concordam ou se tem outra proposta.
Hoje duas me perguntaram porque não faço como os outros professores que dão provas e exercício.

Eu disse que não acreditava que reproduzir um texto era tão eficiente para aprendizagem como produzir conhecimento(fiz a proposta de criarmos um mapa da escola para trabalhar com a cartografia). Disse também que estava disposto a discutir de que forma os estudantes querem ser avaliados, pedi para apresentarem uma proposta.

Ai as figuras falaram, mas a gente ta acostumado a receber um dever e fazer a seguir uma ordem. Ai eu me exaltei um pouco e falei que não estava ali contribuindo com a formação de seguidores de ordem e sim de contestadores da ordem.

Vejam que paradoxo, a liberdade é livre inclusive para escolher não ser livre? To aqui pensando pra caralho sobre essa ansia de alguns em ser tratados de forma autoritária.

Penso que é o medo de empreender, é a vontade de seguir um caminho normal que te levara, caso você seja esforçado, ao sucesso.

Sucesso é quando se chega até aquele ponto, tipo agora sou um médico, ou agora sou um empresário, ou agora sou um funcionário público.

Todo o modelo de estudo e formação é baseado em um período de preparação e a conclusão que é final do período. É um limite absolutamente idiota que foi criado para criarmos os papeis de professor, geografo, médico e faxineiro. Trabalhar com a concepção de um processo contínuo e infinito de aprendizagem dentro do ambiente escolar é foda, pica das galáxias de turbante amarelo no vento de cabo frio.

Mas foda-se, como eu já disse, já que eu não verei o fim dessa porra eu vou seguir acreditando que vai dar certo.

sábado, 3 de março de 2012

Patrona

Encontrei em estudos sobre a cultura da Índia uma patrona perfeita para os "Prosaicos".
Entre as Mahavidyas, um grupo de cerca de 10 deidades veneradas por grupos tântricos, está Matangi. "A mãe dos elefantes". Segue o perfil*:
""""""
Matangi está encarregada das artes de êxtase, como música e poesia. Ela é tão bêbada que dança enquanto anda, sempre em um estado mental de calar o pensar e usufruir o fazer. Sua inebriação liberta da disciplina e recoloca a retidão em seu correto caminho torto.

Mas escuta. Há grande diferença em beber por anestesia e beber como prática espiritual. E que fique claro que álcool é apenas figura para qualquer coisa que lhe arranque do normal.

Em Matangi estão os bardos e todos que recebem a arte. Oráculos que se expressam sem censura.
Você pode criar mais rápido do que pensa?
Pode incluir antes de conceber?
Este é o estado que Matangi quer de você.

Quando se trata de quebrar os confinamentos da razão e da disciplina, Matangi é a escolha certa.
Dê as boas vindas para a chance e a coincidência. Para a loucura feliz, para a intoxicação e para a prazerosa imprevisibilidade.

E mais. Pense em Matangi como a deusa da Divina Profanação.
Conquiste o proibido. Usufrua o inalcançável. Liberte-se.

""""""""

Que Matangi esteja conosco.

*Este perfil de Matangi é uma livre tradução/interpretação/resumo de um trecho do livro Kali Kaula, de Jan Fries.

Da liberdade

Quanto menos eu precisar "fazer sentido", mais poderoso eu sou.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

O Prazer como rebeldia

Libertar o corpo e usufruir realidade.
Poder infinito de todos.
Poder utilizado por poucos.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A culpa é minha (e eu já sabia).

Era longe, mas fomos, eu e minha senhora. Afinal, tratava-se do chá-de-fralda do (então “Ervilha”, hoje Francisco) filho do Bruno, também colaborador deste espaço e, coincidentemente ou não, meu melhor amigo. Nem mesmo eu, rei do furo, conseguiria perder este compromisso por conta de minhas recorrentes mesquinharias. Apesar da distância, ignorei o desafio e parti para Pendotiba, na garupa de “Dionísio”.

E foi no aprazível evento para incentivar doações de fraldas para seu rebento, à época ainda por nascer, que formalizei o clamor por este ponto de reflexão e expressão com toda a rationalization-tion (em geral persuasiva) que me constitui, direcionando a proposta de parceria para sujeitos que, especialmente, admiro. Em minha argumentação já semi-ébria e ainda despretensiosa, bastariam uns poucos minutos por semana, alguma intimidade com as letras e a fluência nas teorias de liberalização virtuosa do mundo (que, com absoluto esmero, lapidamos em todos esses anos de bares e afins) para que materializássemos a “Prosa da Semana”. “Não custa nada”, eu insistia. Os atributos necessários para tanto, todos os quatro tínhamos, e tal...

De fato, era um sonho antigo (o de escrever de forma colaborativa), mas, naquele momento, tratava-se de puro blá-blá-blá, palavras ao léu, simples lero-lero. Jamais mentalizei como realizar isso. E fui pego de surpresa pela iniciativa do Mateus, que, debaixo de seu telhado vivo, tratou dos trâmites burocrático-cibernéticos, batizou o blog e o colocou no ar poucos dias depois daquela conversa. A partir dali, sim, idealizei, ainda que de forma nebulosa e imprecisa, o que gostaria que fosse feito desse espaço.

Mas comecei – eu mesmo – me perdendo em longos e enfadonhos relatos, e me decepcionando com o pseudônimo de um, a digitação erradia do outro... Quando o Bruno colocou no ar o texto repassado pelo tio, desisti precocemente de esperar por melhorias. Acreditei que o espaço havia inexistido, atrofiado por sua própria falta de rumo: gigantesca serpente perdida em si, dedicada a dar-se nós. De lá pra cá, nem ler, lia. Como de costume, desisti sem muito alarde. Como de costume, fugia.

Hoje, por curiosidade quase sádica (comigo), revisitei o espaço. E gostei muito do que vi. Minha birra era, afinal, mais um mero fricote auto-paralizante – dentre tantos. Coisa de quem não acredita-se. Mas, sinceramente? Cansei de não acreditar em mim. Em nós! Nunca quis ser pop, para nada. Não é meu Eu verdadeiro quem quer sê-lo na escrita. É o outro: parte de mim também, mas uma parte pior, que não merece qualquer grau de soberania...

Claro que ainda acho que o mundo está errado por não valorizar minhas características positivas. Ainda me ressinto de que não haja um emprego em que me paguem o mesmo (ou mais, porque não!?) que me pagam na burocracia, onde adentrei por concurso desesperado, para escrever algumas crônicas e criar algumas vinhetas por mês. Mas, quer saber? Renovo o foda-se tudo, mas agora compreendo seu significado mais profundo. E isso aprendi aqui, neste espaço que COMPARTILHO.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Sinceridade, obscuridade.

To num processo de troca de local de trabalho e infelizmente, pra que eu saia, tudo teve que ser feito na surdina, escondido, saca? Eu sempre relutava.......tinha medo de enviar o email pra mulher daqui do Rio......"será que tão monitorando essa merda?" Sempre pensava.
Tenso....tenso.....

Caçaroletas flamejantes! Fiquei na Gerência de Niterói 5 anos. Nunca trabalhei no mesmo município que moro. Nos últimos dois dei meu sangue naquela porra. Custava os caras quererem me ajudar mesmo? Sinceramente....essa porra me magoa, brother!

Mas não. O entrave (sabe-se lá quando) criado pela politicagem interna, resultado de toda essa imundice que são os partidos políticos e seus escusos acordos por debaixo dos panos, não permite que o "olho no olho", o companheirismo, o altruísmo, sequer sejam citados como palavras possíveis de serem colocadas na mesa na atual administração.

Por exemplo: os caras nunca vão se ligar e trocar uma idéia sincera, de como é possível uma parceria entre eles.....decretam-se antes mesmo de falarem pela primeira vez, de lados opostos, sempre se enxergarão como inimigos mortais. Competidores. Nunca, colaboradores.

É inacreditável que não consigam propor novas ações, não saem da mesmice....por mais que pareça absurdo.....a própria competição os impede de ver adiante.

A sede da falsa corrida em direção ao pote, ofusca.
Ofuscados, se afogam no mar da prostração.
E seu pequeno sucesso, pro coletivo, morre imaturo.

E por menos que quizessem, prejudicam uma caralhada de gente!
Contra fatos, não há argumentos.
Ao menos não nesse caso.





sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Fudeu ou foda-se?

O discurso do fudeu é tão ou mais perigoso do que o foda-se.

É como num barco, fudeu o barco vai afundar, então não adianta nada, é só aproveitar ao máximo o momento antes de morrer afogado.

O discurso do foda-se, não vou fazer nada para evitar que o barco afunde. No fundo é a mesma coisa só que no primeiro existe uma justificativa que te salvará e no segundo você assume que não está disposto a se mobilizar.

Fudeu porra nenhuma, foda-se é o caralho. Ainda dá tempo de tudo, de todos e ainda sobra pra ficar de verme vendo o pôr do sol.

Tudo se conecta mas a rotina se realiza em poucos metros quadrados e entre poucas pessoas. O global é o intocável, é o movimento que é maior do que qualquer um.

Tudo foi construido com força e sorte e estas condições continuam ai. A embriaguez babilônica vem, de deixa de bobeira, mas daqui a pouco o sol te queima a cara o frio te doi na ponta dos pés e a gente se agita pra melhorar. Não tem KO o impossível é o que eu não preciso, todo o resto é possível.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

No dia que o prédio caiu.

No dia que o prédio caiu, eu, sem saber, fui para o jazz da praça da bandeira.

Foda-se o jazz, não rolou por causa do prédio, desenrole, tchnarumblaizemagalhãeze e visamos partir.

Na volta passamos por dois malucos na rua perto de um outro deitado no chão, já quase chegando no ponto final do 100.

Eu, que sempre ando bem acompanhado, estava com minha mulher e mais duas. As outras duas se sensibilizaram e insistiram para ajudarmos porque uma delas conhecia um dos malucos que estavam cuidando do outro fudido no chão.

Sinceramente, naquela situação eu não estava realmente empolgado eu prestar ajuda, mas como rolou aquela pressão ética, eu pensei, fudeu, vou ter que ver qual é dessa porra, caralho.

Chegando lá vimos o maluco. Achamos que ele tinha sido atropelado por que ele tava todo desengonçado no chão.

Os malucos tinham ligado pro samu. Na hora eu pensei: pronto, é o que podemos fazer.(depois pensei que com o desabamento do prédio todos os samus do mundo estavam ocupados.)

Fato é que o maluco estava na rota de colisão, no meio da rua e no escuro. Ai tem aquela porra de não poder mexer por que se não pode ser pior ( acho que poderia rolar uma orientção de como mexer no acidentado ao invés desse ninguém toca que pelas minhas estatísticas butiquinianas se aplica a 1% dos acidentes).

Eu fui atras de algum carro oficial com sirene para poder ficar ali de prontidão sinalizando o maluco.

Quando eu estava desenrolando com uns malucos da light (isso devia ser 02:30) vi que encostou um carro dos homi.

Explicamos a situação e tal. Ai um deles disse: esse puto ta doidão quer ver. Ele fez uma massagem no peito do cara que na hora ele deu uma gemida e mexeu os braços. Fiquei de cara, eu achava que o cara tava quase morto. Ai o poliça: essa massagem ai não tem jeito, mesmo doidão tu reage. Depois chegaram mais dois poliças, um deles um gordinho com cara de nerd. O maluco ainda fez mais uma massagem.(eu não consegui me controlar e dei uma risada, porque imaginei que aquela porra de massagem devia ser o capeta).

Resultado: o Poliça disse que queria levar o maluco pro souza aguir na aviatura. Eu tive que começar a levantar o filho da puta porque ninguem fazia nada e ja eram 3 da manhã. Quando a gente começou a colocar o maluco no banco de trás ele meio que deu uma despertada. Nessa hora o gordinho:
É O RODO CUMPADI, É O RODO AMIGO. QUER MORRE?

PORRA, O MAIS FURINGO DA SITUAÇÃO TIRANDO ESSA BRABA DE MAU. O FILHO DA PUTA CHEGOU NUM CARRINHO DE GOLF, NUM FODE!

no final fiquei pensando, será que eles mataram o maluco? não vou saber nunca, não sei se era o melhor a se fazer, mas foi feito. eu senti que os malucos iam mesmo levar pro souza aguir, tomara que tenha sido assim.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Marionetes, Chicletes e destinos. Morte aos malditos.

Artigo Completo
Primeiro ministro da França entre l988 e 1991, Michel Rocard é homem respeitável em seu país. Ele, e um economista mais moço, Pierre Larrouturou, publicaram, segunda-feira, em Le Monde, artigo baseado em fontes americanas sobre os empréstimos concedidos pelo Tesouro dos Estados Unidos aos bancos, em 2008. De acordo com as denúncias – feitas pela agência de informações econômicas Bloomberg – os juros cobrados pelo FED aos bancos e seguradoras foram de apenas 0,01% ao ano, enquanto os bancos estão emprestando aos Estados europeus em dificuldades a juros de 6% a 9% ao ano – de seiscentas a 900 vezes mais. De acordo com as denúncias da Bloomberg, retomadas por Rocard e Larrouturou, o montante do socorro por Bush e Henry Paulson, seu secretário do Tesouro, aos banqueiros, chegou a um trilhão e duzentos bilhões de dólares, em operações secretas.

O artigo cita a cáustica conclusão de Roosevelt, durante sua luta para salvar os Estados Unidos depois da irresponsabilidade criminosa dos especuladores que haviam provocado a Grande Depressão: um governo dirigido pelo dinheiro organizado é igual a um governo dirigido pelo crime organizado.


Dentro do raciocínio de Roosevelt, podemos comparar a carreira de Henry Paulson à de qualquer grande boss de Chicago ou de Nova Iorque no crime organizado. Desde 1974 – quando tinha 28 anos – Paulson tem servido ao Goldman Sachs, a cuja presidência chegou em 1999. Nos sete anos seguintes, ele consolidou a posição do banco em sua atuação internacional – e foi convocado por Bush para ocupar a Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos em 2006. Poucos dias antes, ele deixou a presidência do banco, e preferiu converter a indenização a que teria direito (o famoso bônus), em participação acionária. Isso o manteve ligado, por interesse próprio, aos destinos do banco.


Uma das primeiras firmas a serem beneficiadas pela ajuda do Tesouro, por decisão de Paulson, durante a crise de 2008, foi a AIG – a maior seguradora norte-americana – com cerca de 80 bilhões de dólares. Ocorre que o principal credor da AIG, era o Goldman Sachs, que desse dinheiro, recebeu quase 30 bilhões, logo em seguida.


O Goldman foi multado, em julho de 2010, pela SEC (Securities and Exchanche Commission) por fraude, em 550 milhões de dólares, por ter atuado de má fé na questão das operações com papéis da dívida imobiliária. E são ex-diretores do Goldman Sachs (provavelmente ainda grandes acionistas do banco, como é o caso de Henry Paulson) que se encontram agora no controle do Banco Central Europeu (Mario Draghi), na chefia dos governos da Itália (Mario Monti) e da Grécia (Lucas Papademos). O que farão esses interventores do Goldman Sachs, no controle das finanças européias, a não ser defender os interesses dos bancos – e seus lucros fraudulentos? Se Roosevelt fosse vivo, naturalmente estaria pensando em sua advertência dos anos 30.


É brutal a semelhança entre a situação atual e a de 1929. Ao analisar os fatos daquele tempo, John Galbraight disse que “o outono de 1929 foi, talvez, a primeira ocasião em que os homens tiveram, em grande escala, a capacidade de enganar a si mesmos”. A escala do auto-engano parece ser ainda maior em nossos dias. Rocard lembra a observação de Paul Krugman, de que a Europa entrou em uma “espiral da morte” – mas não é apenas a Europa que corre esse risco.


Assim podemos explicar a advertência de Edgar Morin – também citada por Rocard – de que a civilização ocidental está entre a metamorfose e a morte. “O capitalismo sem regras é o suicídio da civilização”, como afirmam Morin e Stephane Hessel, em seu livro recente “Le Chemin de l’espérance”.


O ex-premier Rocard registra, em seu artigo de Le Monde, que as dívidas dos países europeus para com os grandes bancos são antigas, e sua solução não é difícil. Se o Tesouro americano foi capaz de emprestar a 0,01 aos bancos fraudadores e irresponsáveis, o Banco Central Europeu poderia emprestar, com as mesmas taxas, a instituições nacionais européias – seu estatuto veda o empréstimo direto aos estados-membros – como os bancos estatais de fomento e caixas econômicas. Essas instituições repassariam as somas aos estados, cobrando-lhes juros em dobro – a 0,02% ao ano. Se prevalecesse a razão e a ética, estaria resolvido o problema europeu da dívida pública.


Registre-se, no entanto, que o lema do Goldman Sachs, creditado a um de seus antigos controladores, Gus Levy, nos anos 50, é auto-elucidativo: “long-term greedy”, ganância a longo prazo. O fato singelo é o de que, em tempos de crise – como disse Keynes em 1937, e Krugman relembrou também em texto recente – não cabe a austeridade, com corte de gastos sociais e de infraestrutura, mas, sim, é preciso investir e criar empregos. Os governantes de hoje, em sua maioria, não servem a seus povos, e em razão disso, desprezam pensadores como Keynes. Estão a serviço de grandes corporações, dirigidas por fraudadores, como os banqueiros do Goldman Sachs.


Talvez tenhamos que ir mais adiante ainda – e seguir o conselho de Morin: para não perecer, a civilização ocidental terá que sofrer a metamorfose necessária, encasular-se na razão e, nela, criar asas para o vôo.