Religiosos normalmente recorrem aos deuses apenas quando dá merda.
Isso me faz pensar.
Toda abordagem mística deveria ser capaz de dar conta da completa realidade. Do gato preto ao Jesus Cristo, do casamento aos travecos da Lapa (e toda sanha de homens casados que os procuram), de Bill Gates a Hitler, da alquimia ao novo iPad, de segunda guerra à Woodstock. Toda a possibilidade do "real" deveria estar contida nesta abordagem, do micro ao macro, da epifania à tragédia.
Isso me faz agir.
Toda minha vida precisa estar coerente com o que acredito, nem que seja preciso mudar o que acredito. A noção mundana de pecado é idiota, pois não oferece solução. Não há pecado, há incoerência e hipocrisia.
"Deixe o desejo do discípulo determinar o que deve ser oferecido aos deuses. O que quer que ele goste, a oferta disso o conduzirá ao bem-estar." (trecho do Mahanirvana Tantra)
domingo, 18 de março de 2012
quarta-feira, 14 de março de 2012
O poder da mente
Sou um pouco supersticioso. Não entendo bem por que, mas evito passar embaixo de escadas, bato 3 vezes na madeira quando necessário (e possível, pois o mundo é cada vez mais feito de plástico), entro e saio com o pé direito de diversos lugares, faço pequenas apostas comigo, e tento desviar do caminho de gatos pretos.
Não é sempre, mas com os gatos, por exemplo, tento refazer meu trajeto para não cruzar com a linha imaginária sobre a qual acabaram de passar, ou fico tentando mantê-los num canto, para que eu passe ao lado, ao largo de seus caminhos. Nesse dia não foi possível. O bicho saiu de surpresa de baixo de um carro, atravessou rapidamente a calçada, bem a minha frente, e entrou numa oficina.
Fiquei em situação complicada. Não conseguiria simplesmente fugir do seu rastro porque os carros estacionados estavam praticamente grudados uns nos outros, e precisaria voltar um bom pedaço para poder ganhar a rua e vir caminhando por ela. Por outro lado, me pareceu especialmente ridícula a possibilidade de entrar na oficina para contornar o gato. Ademais, tinha alguma pressa, como de costume.
Sem alternativas, rompi a fronteira imaginária com galhardia, mas, como sequer lembrava com qual pé entrara no universo que há após o traço invisível desenhado pela passagem de um gato preto (pretíssimo... nem uma manchinha!), decidi colocar em movimento o mecanismo de autonegação que – ao menos para a superfície de minha racionalidade – trouxe algum alento. Com a repetição exaustiva do pensamento “que bobagem, isso não é nada, não significa nada, não tem nada a ver...”, comecei a tentar me enganar.
Mas a impressão da situação continuava gravada em mim, e a precisão do gato ao me confrontar em momento tão indefeso era particularmente intrigante. Dali pra diante, não tive mais sossego. Alguns passos à frente, um par de senhoras caminhava de braços dados numa velocidade desconcertantemente lenta. A calçada, não tão estreita, permitia uma ultrapassagem certeira pela canhota. Mas – espanto! – tive que refrear o instinto de utilizar o nitro, e disparar no turbo, ao notar a presença de uma escada marota, apoiada sobre a marquise subseqüente. Preferindo não acumular os azares, esperei as senhoras passarem pela escada para fazê-las comer minha poeira.
O caminho para o trabalho é curto e eu já estava no final quando tudo isso aconteceu. Sinceramente, depois de tanto tempo vindo de Niterói para o centro do Rio acompanhando a crescente precarização do serviço oferecido pelas Barcas S.A., não pensava em conseguir tamanha “aventura” nos meus 15 minutos diários de caminhada. Mas as pessoas paravam subitamente a minha frente, me fechavam sem o menor aviso, carros avançavam para cima de mim, vinha uma bicicleta na contra-mão quando eu estava olhando para o outro lado. Eu já estava achando tudo engraçado, mas continuava repetindo que “não era nada...” por precaução.
Até que vi os sujeitos da prefeitura. Enquanto um escorava uma rede de proteção, o outro passava o cortador de grama num desnível do caminho. Eu vinha caminhando pelo lado oposto da rede, que protegia aos passantes do outro lado do canteiro. Tive certeza, na hora que os vi, ainda de longe: vai voar alguma coisa em mim, era só o que faltava!
E não é que, quando eu passei pelos caras, uma pedrinha acertou o meu joelho!? Ri no mesmo instante, de alívio. Mas depois, me deixei devanear um pouco sobre o ocorrido. A pedra poderia tomar qualquer direção depois de chicoteada pelo fio de nylon que esses cortadores de grama usam; qualquer minúscula diferença no meu trajeto seria suficiente para me desviar da mesma pedra – se não tivesse esperado para passar pelo par de senhoras, por exemplo; os caras poderiam tentar 3 bilhões de vezes, com as mesmas condições, e jamais lograriam me acertar novamente a pedra etc. Em suma, o movimento da pedra até o meu joelho foi muito preciso e, pra mim, das duas uma: ou eu atraí a pedra até mim, ou previ que a pedra me acertaria.
E importa pouco qual das duas está certa. Afinal, nenhuma das duas pode ser explicada sem um leve constrangimento metafísico.
No caso, encontrei a explicação que mais me apeteceu: fiquei tão impressionado por uma convicção que transcende minha racionalidade que acabei fazendo uma ‘mágica’, um ‘milagre’ com a força do meu pensamento. Infelizmente, para o mal. Não que a pedra me tenha machucado, nem que se tenha concretizado minha previsão seguinte: de que meu joelho estaria prestes a estourar e a pedra seria, disto, um aviso. De fato, quando me dei conta que afundava em especulações sobre rompimento de ligamentos cruzados, dei um basta, e parei com a baboseira. Parei de me condicionar a lesionar o meu joelho que, obediente, já doía um pouco.
Mas fiquei marcado pela possibilidade de projetar coisas. O grande passo, contudo, está em acreditar nos meus sonhos como, involuntariamente, creio nas minhas superstições. Tê-los como amálgama disforme e indescritível e deixar que me guiem através da vida. Pressinto que saberei fazê-lo, um dia.
Publicado originalmente na terça-feira, 28 de setembro de 2010, em http://amigomamute.blogspot.com/
Não é sempre, mas com os gatos, por exemplo, tento refazer meu trajeto para não cruzar com a linha imaginária sobre a qual acabaram de passar, ou fico tentando mantê-los num canto, para que eu passe ao lado, ao largo de seus caminhos. Nesse dia não foi possível. O bicho saiu de surpresa de baixo de um carro, atravessou rapidamente a calçada, bem a minha frente, e entrou numa oficina.
Fiquei em situação complicada. Não conseguiria simplesmente fugir do seu rastro porque os carros estacionados estavam praticamente grudados uns nos outros, e precisaria voltar um bom pedaço para poder ganhar a rua e vir caminhando por ela. Por outro lado, me pareceu especialmente ridícula a possibilidade de entrar na oficina para contornar o gato. Ademais, tinha alguma pressa, como de costume.
Sem alternativas, rompi a fronteira imaginária com galhardia, mas, como sequer lembrava com qual pé entrara no universo que há após o traço invisível desenhado pela passagem de um gato preto (pretíssimo... nem uma manchinha!), decidi colocar em movimento o mecanismo de autonegação que – ao menos para a superfície de minha racionalidade – trouxe algum alento. Com a repetição exaustiva do pensamento “que bobagem, isso não é nada, não significa nada, não tem nada a ver...”, comecei a tentar me enganar.
Mas a impressão da situação continuava gravada em mim, e a precisão do gato ao me confrontar em momento tão indefeso era particularmente intrigante. Dali pra diante, não tive mais sossego. Alguns passos à frente, um par de senhoras caminhava de braços dados numa velocidade desconcertantemente lenta. A calçada, não tão estreita, permitia uma ultrapassagem certeira pela canhota. Mas – espanto! – tive que refrear o instinto de utilizar o nitro, e disparar no turbo, ao notar a presença de uma escada marota, apoiada sobre a marquise subseqüente. Preferindo não acumular os azares, esperei as senhoras passarem pela escada para fazê-las comer minha poeira.
O caminho para o trabalho é curto e eu já estava no final quando tudo isso aconteceu. Sinceramente, depois de tanto tempo vindo de Niterói para o centro do Rio acompanhando a crescente precarização do serviço oferecido pelas Barcas S.A., não pensava em conseguir tamanha “aventura” nos meus 15 minutos diários de caminhada. Mas as pessoas paravam subitamente a minha frente, me fechavam sem o menor aviso, carros avançavam para cima de mim, vinha uma bicicleta na contra-mão quando eu estava olhando para o outro lado. Eu já estava achando tudo engraçado, mas continuava repetindo que “não era nada...” por precaução.
Até que vi os sujeitos da prefeitura. Enquanto um escorava uma rede de proteção, o outro passava o cortador de grama num desnível do caminho. Eu vinha caminhando pelo lado oposto da rede, que protegia aos passantes do outro lado do canteiro. Tive certeza, na hora que os vi, ainda de longe: vai voar alguma coisa em mim, era só o que faltava!
E não é que, quando eu passei pelos caras, uma pedrinha acertou o meu joelho!? Ri no mesmo instante, de alívio. Mas depois, me deixei devanear um pouco sobre o ocorrido. A pedra poderia tomar qualquer direção depois de chicoteada pelo fio de nylon que esses cortadores de grama usam; qualquer minúscula diferença no meu trajeto seria suficiente para me desviar da mesma pedra – se não tivesse esperado para passar pelo par de senhoras, por exemplo; os caras poderiam tentar 3 bilhões de vezes, com as mesmas condições, e jamais lograriam me acertar novamente a pedra etc. Em suma, o movimento da pedra até o meu joelho foi muito preciso e, pra mim, das duas uma: ou eu atraí a pedra até mim, ou previ que a pedra me acertaria.
E importa pouco qual das duas está certa. Afinal, nenhuma das duas pode ser explicada sem um leve constrangimento metafísico.
No caso, encontrei a explicação que mais me apeteceu: fiquei tão impressionado por uma convicção que transcende minha racionalidade que acabei fazendo uma ‘mágica’, um ‘milagre’ com a força do meu pensamento. Infelizmente, para o mal. Não que a pedra me tenha machucado, nem que se tenha concretizado minha previsão seguinte: de que meu joelho estaria prestes a estourar e a pedra seria, disto, um aviso. De fato, quando me dei conta que afundava em especulações sobre rompimento de ligamentos cruzados, dei um basta, e parei com a baboseira. Parei de me condicionar a lesionar o meu joelho que, obediente, já doía um pouco.
Mas fiquei marcado pela possibilidade de projetar coisas. O grande passo, contudo, está em acreditar nos meus sonhos como, involuntariamente, creio nas minhas superstições. Tê-los como amálgama disforme e indescritível e deixar que me guiem através da vida. Pressinto que saberei fazê-lo, um dia.
Publicado originalmente na terça-feira, 28 de setembro de 2010, em http://amigomamute.blogspot.com/
terça-feira, 6 de março de 2012
Caminho para o sucesso
Procuro discutir com os estudantes sobre a avaliação e geralmente falo honestamente para eles: preciso dar um número pra vocês, aquela palhaçada 6 7,5 8.
E procuro fazer propostas e perguntar se eles concordam ou se tem outra proposta.
Hoje duas me perguntaram porque não faço como os outros professores que dão provas e exercício.
Eu disse que não acreditava que reproduzir um texto era tão eficiente para aprendizagem como produzir conhecimento(fiz a proposta de criarmos um mapa da escola para trabalhar com a cartografia). Disse também que estava disposto a discutir de que forma os estudantes querem ser avaliados, pedi para apresentarem uma proposta.
Ai as figuras falaram, mas a gente ta acostumado a receber um dever e fazer a seguir uma ordem. Ai eu me exaltei um pouco e falei que não estava ali contribuindo com a formação de seguidores de ordem e sim de contestadores da ordem.
Vejam que paradoxo, a liberdade é livre inclusive para escolher não ser livre? To aqui pensando pra caralho sobre essa ansia de alguns em ser tratados de forma autoritária.
Penso que é o medo de empreender, é a vontade de seguir um caminho normal que te levara, caso você seja esforçado, ao sucesso.
Sucesso é quando se chega até aquele ponto, tipo agora sou um médico, ou agora sou um empresário, ou agora sou um funcionário público.
Todo o modelo de estudo e formação é baseado em um período de preparação e a conclusão que é final do período. É um limite absolutamente idiota que foi criado para criarmos os papeis de professor, geografo, médico e faxineiro. Trabalhar com a concepção de um processo contínuo e infinito de aprendizagem dentro do ambiente escolar é foda, pica das galáxias de turbante amarelo no vento de cabo frio.
Mas foda-se, como eu já disse, já que eu não verei o fim dessa porra eu vou seguir acreditando que vai dar certo.
E procuro fazer propostas e perguntar se eles concordam ou se tem outra proposta.
Hoje duas me perguntaram porque não faço como os outros professores que dão provas e exercício.
Eu disse que não acreditava que reproduzir um texto era tão eficiente para aprendizagem como produzir conhecimento(fiz a proposta de criarmos um mapa da escola para trabalhar com a cartografia). Disse também que estava disposto a discutir de que forma os estudantes querem ser avaliados, pedi para apresentarem uma proposta.
Ai as figuras falaram, mas a gente ta acostumado a receber um dever e fazer a seguir uma ordem. Ai eu me exaltei um pouco e falei que não estava ali contribuindo com a formação de seguidores de ordem e sim de contestadores da ordem.
Vejam que paradoxo, a liberdade é livre inclusive para escolher não ser livre? To aqui pensando pra caralho sobre essa ansia de alguns em ser tratados de forma autoritária.
Penso que é o medo de empreender, é a vontade de seguir um caminho normal que te levara, caso você seja esforçado, ao sucesso.
Sucesso é quando se chega até aquele ponto, tipo agora sou um médico, ou agora sou um empresário, ou agora sou um funcionário público.
Todo o modelo de estudo e formação é baseado em um período de preparação e a conclusão que é final do período. É um limite absolutamente idiota que foi criado para criarmos os papeis de professor, geografo, médico e faxineiro. Trabalhar com a concepção de um processo contínuo e infinito de aprendizagem dentro do ambiente escolar é foda, pica das galáxias de turbante amarelo no vento de cabo frio.
Mas foda-se, como eu já disse, já que eu não verei o fim dessa porra eu vou seguir acreditando que vai dar certo.
sábado, 3 de março de 2012
Patrona
Encontrei em estudos sobre a cultura da Índia uma patrona perfeita para os "Prosaicos".
Entre as Mahavidyas, um grupo de cerca de 10 deidades veneradas por grupos tântricos, está Matangi. "A mãe dos elefantes". Segue o perfil*:
""""""
Matangi está encarregada das artes de êxtase, como música e poesia. Ela é tão bêbada que dança enquanto anda, sempre em um estado mental de calar o pensar e usufruir o fazer. Sua inebriação liberta da disciplina e recoloca a retidão em seu correto caminho torto.
Mas escuta. Há grande diferença em beber por anestesia e beber como prática espiritual. E que fique claro que álcool é apenas figura para qualquer coisa que lhe arranque do normal.
Em Matangi estão os bardos e todos que recebem a arte. Oráculos que se expressam sem censura.
Você pode criar mais rápido do que pensa?
Pode incluir antes de conceber?
Este é o estado que Matangi quer de você.
Quando se trata de quebrar os confinamentos da razão e da disciplina, Matangi é a escolha certa.
Dê as boas vindas para a chance e a coincidência. Para a loucura feliz, para a intoxicação e para a prazerosa imprevisibilidade.
E mais. Pense em Matangi como a deusa da Divina Profanação.
Conquiste o proibido. Usufrua o inalcançável. Liberte-se.
""""""""
Que Matangi esteja conosco.
*Este perfil de Matangi é uma livre tradução/interpretação/resumo de um trecho do livro Kali Kaula, de Jan Fries.
Entre as Mahavidyas, um grupo de cerca de 10 deidades veneradas por grupos tântricos, está Matangi. "A mãe dos elefantes". Segue o perfil*:
""""""
Matangi está encarregada das artes de êxtase, como música e poesia. Ela é tão bêbada que dança enquanto anda, sempre em um estado mental de calar o pensar e usufruir o fazer. Sua inebriação liberta da disciplina e recoloca a retidão em seu correto caminho torto.
Mas escuta. Há grande diferença em beber por anestesia e beber como prática espiritual. E que fique claro que álcool é apenas figura para qualquer coisa que lhe arranque do normal.
Em Matangi estão os bardos e todos que recebem a arte. Oráculos que se expressam sem censura.
Você pode criar mais rápido do que pensa?
Pode incluir antes de conceber?
Este é o estado que Matangi quer de você.
Quando se trata de quebrar os confinamentos da razão e da disciplina, Matangi é a escolha certa.
Dê as boas vindas para a chance e a coincidência. Para a loucura feliz, para a intoxicação e para a prazerosa imprevisibilidade.
E mais. Pense em Matangi como a deusa da Divina Profanação.
Conquiste o proibido. Usufrua o inalcançável. Liberte-se.
""""""""
Que Matangi esteja conosco.
*Este perfil de Matangi é uma livre tradução/interpretação/resumo de um trecho do livro Kali Kaula, de Jan Fries.
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